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sábado, setembro 20, 2003

Terra queimada 

Há duas semanas atrás, a área total queimada do território português excedia aquela do Luxemburgo. Era, na altura, pensava eu, uma área enorme para um país tão pequeno como o nosso; mas que dizer dos incêndios que continuam a devorar as matas portuguesas? Eu, que não percebo nada de matas, de prevenção ambiental, nem de combate aos fogos, pergunto-me por que razão são estas chamas tão imparáveis, por que razão surgem tão depressa, em tão pouco tempo, em áreas muitas vezes inacessíveis aos próprios bombeiros. O que sei é que, das dezenas de milhar de bombeiros voluntários existentes (logo, subsidiados), apenas quatro mil se envolveram directa e incansavelmente na tentativa de minorar estragos. E que, apesar do esforço louvável, é preciso reconhecer que há uma descoordenação na estratégia de combate, que atravessa toda a hierarquia estatal, autárquica/local e ao próprio nível dos bombeiros. Não é possível que o chefe de bombeiros de determinada zona comande a sua frente de combate durante dois ou três dias seguidos, retirando-se em seguida (naturalmente, por cansaço físico) juntamente com os seus homens, e que para o seu lugar venha um destacamento de outra zona do país, que desconhece a área afectada. Logo, do que se trata, é de descoordenação.
Por outro lado, até que ponto é podemos falar de "matas", quando o que vemos são pinheiros e castanheiros plantados de seguida, com uma ausência de clareiras ou espaços mais respiráveis e de cursos de água intercalados? Ora, isto não pode ser justificado pelo facto de aquelas madeiras serem mais rentáveis...
E depois há o problema da limpeza das ditas matas, que é inexistente. Há anos atrás, esta limpeza era assegurada pela própria população local, quando recolhia madeira e erva seca para a lareira ou para cozinhar, mas hoje em dia preferem, claro está, comprar uma garrafa de gás. Face ao desaparecimento desta espécia de auto-limpeza, cabe, em última instância, ao Estado assegurar a limpeza das florestas portuguesas.
Como consolo, diz-nos o ministro que apenas quatro pessoas morreram com ligação directa aos incêndios.
HR

dia 2/3 Viena 

Acabei por me fartar de Paris depressa. Fui para a Gare de l'Est e abri o Lonely Planet mais ou menos ao calhas, para ver o que dava. Deu um sitio impronunciavel na Romenia - acabei por adaptar para Bucareste, que nao conheco, mas sempre quis conhecer.
Assim, a caminho de Bucareste, estou em Viena. 12 horas em Viena - neste momento so faltam 4. A funcionaria da SNCF em Paris, depois de ver cuidadosamente onde ficava Bucareste num mapa, olhou para mim com um ar infeliz e disse-me que era uma viagem muito longa, mais de duas noites, que de certeza eu nao ia querer isso... Enganou-se. A primeira noite passou-se muito bem. A segunda vamos ver...
Tenho tido sinais de pacificacao com o mundo arabe. Ontem, espreitei o meu email numa loja Internet nas traseiras da Gare de l'Est, pertenca de um argelino, com uma aglomeracao de umas dezenas de arabes a porta. Eu usei para ai 5 minutos, mas ele nao contou e estava com receio que eu o achasse um agiota por me cobrar 40 centimos, o preco dos tais cinco minutos. Eu disse-lhe que tinha usado 5 minutos, paguei-lhe e tive direito a muitos sorrisos, mais 5 minutos de conselhos amigos de precaucoes a ter com as mochilas e etc. Se fosse um tuga a apanhar um estrangeiro na sua loja, levava-lhe 5 contos e ainda o tratava mal.
Hoje, em Viena, vejo um casal arabe com uma criancinha pequena pela mao. A crianca fazia uma birra terrivel, a guinchar em alemao com todas as suas forcas. La pensei - afinal tambem chateias por chupas... A crianca insistia que queria 3 euros. A mae deu-lhe. Os 3 euros foram parar a mao de um velhote austriaco, meio deitado na rua, a pedir. A crianca fez-lhe um grande sorriso e ele retribuiu. Afinal, dar aos pobres e um preceito basico do islao...
Estes sao sketches muito moralistas e orientados, mas nao ha nada a fazer - sao verdades, em 24 horas.
Na pousada em que fiquei em Paris, partilhei quarto com um australiano de Adelaide, um chines que vive em Singapura e um outro oriental que entrou no quarto as tres da manha e saiu antes de eu acordar propriamente. No comboio para Viena, descobri que alguem me tinha roubado as pilhas de uma maquina fotografica, colocadas no dia anterior. No mesmo saco estava uma maquina digital, um discman, vinte cd's, etc. e so faltavam 2 pilhas marca Auchan... Qual deles tera sido? Hei de construir uma resposta no comboio de 20 horas para Bucareste.
Ps- os austriacos nao sao tao antipaticos qto eu julgava. os alemaes sao uns porreiros, confirmo-o cada vez que lhes atravesso o pais de comboio. MR

Inveja das cartas entre leitores e autores do DC 

Estive a passar os olhos pelos mails enviados pelos nossos leitores e reparei que muitos deles são já fruto de correspondências anteriores com os membros do DC. É como se houvesse um DC paralelo, que nasce dos textos que aqui publicamos, mas que se ramifica em várias relações epistolares entre os dois lados da blogosfera. É como se cada texto que aqui publicamos continuasse a crescer e a ser rescrito fora daqui, até ao momento em que a palavra escrita passa a ser palavra falada entre um mebro do DC e um(a) leitor(a), num café ou bar, numa tarde ou noite.
Nem imaginam como eu invejo esse mundo a que, decididamente, não pertenço, onde há ainda o romantismo da invisibilidade, a sedução do outro imaginado. Invejo os leitores que nos escrevem, que continuam a escrever-nos, que se encontram com os autores do DC. Invejos os autores do DC que respondem a mails, que estabelecem correspondências e que acabam por conhecer pessoalmente os leitores do DC. Quem sabe se o leitor de hoje, não será o cônjuge de amanhã?... TR

A nova SPA 

Tomou ontem posse a nova direcção da SPA. É caso para desejar um bom trabalho, porque vai ser muito trabalho e vai ser muito difícil fazê-lo bem. De qualquer modo, a mudança é de saudar. Independentemente do que se venha a apurar acerca da gestão anterior, exigia-se sangue novo há muito tempo, nem que fosse pela energia que o sangue novo traz sempre consigo. Como sócio, fico contente com o rumo que a SPA começa a tomar.

Fica apenas um conselho, que ofereço humildemente, e que já tive a oportunidade de sussurrar a uma pessoa desta direcção: tentem não empregar filhos, sobrinhos, cônjuges e afins em cargos de decisão. É que, apesar de tudo, são 9 milhões de contos por ano que a SPA movimenta. Fica bem alguma integridade e transparência. Não é que a ética seja realmente importante, mas diz que nos dias que correm, até artistas e autores podem ser presos.

Bom trabalho.TR

O produtor de avantes e o ciclista 

Acabei de receber um forward (ou um avante, em bom português), em que alguém bem-intencionado me confidencia que se estiver sentado, fizer círculos com o pé direito no sentido dos ponteiros do relógio, e ao mesmo tempo desenhar um 6 no ar com a minha mão direita, o meu pé (que continua a fazer círculos) irá mudar de direcção. Para aguçar o apetite, o e-mail avisa, exultante, que até parece magia (seguido dos obrigatórios pontos de exclamação intermináveis). Desisti de me irritar com os incorrigíveis conhecidos que me vão descrevendo a sua vida pessoal através de avantes sobre rins, piadolas marotas, grupos sanguíneos raríssimos e afins.

Mas este deixou-me intrigado, e enquanto pedalava para casa não deixei de pensar na pessoa que chegou a esta conclusão magistral. Imaginei um homem cujo trabalho consiste em estar sentado numa cave, muito concentrado, a matutar sobre o avante que tem que entregar hoje a uma empresa nebulosa. A mulher a berrar que o jantar está na mesa, o jantar que é pago com a venda destes textos, e o criativo a gesticular no seu quarto, a meter o dedo na orelha, enquanto puxa os cabelos, a bater com um livro no joelho, a tentar todas as ginásticas possíveis, desesperado para descobrir mais uma magia que encantará milhares de escritórios. Imaginei a luta solitária com o seu próprio corpo, e, ao entrar na minha rua, desejei ter estado sentado ao lado dele quando iniciou a mítica circulação do pé direito. Desejei ter partilhado a sua alegria quando o pé mudou de direcção, senti falta dos abraços de felicitação que teríamos trocado, do júbilo dos vencedores. Entusiasmados, teríamos debatido conspirativamente a que universidade anglo-saxónica atribuiríamos esta descoberta. Enquanto trancava a bicicleta, desejei, no fundo, que ele fosse meu amigo. REC



sexta-feira, setembro 19, 2003

T-3 com vista para o rio e cozinha equipada 

O exterminador implacável, Arnold Schwarzenegger, continua na corrida eleitoral pelo cargo de governador da California, o mais rico estado americano. Esta semana, no final de um discurso, teve azar: foi atingido por um ovo – atirado, seguramente, por um crítico das suas ideias. Mas parece que o ex-mister músculo não perdeu a boa disposição e ripostou: "O ovo tudo bem, mas ficou a dever-me o bacon!".LFB

Eu só quero que você seja o meu agasalho / e que o Durão vá p'ó &%$#=! 

O Governo diz que só morreram 4 pessoas em consequência da vaga de calor que atingiu o país e a europa ocidental. Se a oposição fosse sádica bem poderia reclamar que, mais uma vez, estamos na cauda da Europa. É que em França foram mais de 10.000.LFB

quinta-feira, setembro 18, 2003

dia 1 Paris 

Pois... Pode ser que isto resulte num diario de viagens, sem acentos - deviam ver o computador que me calhou, nesta recepcao de um hostel de Paris. Resolvi vir de comboio, o que já nao fazia ha uns anos. Ainda nao sei se fiz bem, mas como nao sei para onde vou a seguir, devo ter feito, ja que tive mais tempo para planear as viagens que nao vou ter tempo para fazer. Comprei, mal cheguei, o Lonely Planet Europe. Descobri nomes inacreditáveis de pensoes em torno do Rossio e da Praca da Figueira, mas nao me parece que va para lá agora.
Amanha se calhar devia ir para Budapeste. Apetece-me sentar no Gerbeau e comer um bolo. Mas, ao ler as primeiras páginas da Albania no guia, acho muito possivel que passe por Tirana. Isto no fundo e um teste de resistencia fisica a mistura com alguma displicencia financeira. O que e a vida, afinal...
Decidi vir domir a esta pousada da juventude, que e miseravel, mas fica num bom bairro, no 15e. Fiquei aqui ha uns anos e volto, por muito ma que seja. E uma mistura de orientais educados, com um viking que come uvas acompanhadas por uma garrafa de vinho manhoso e umas recpcionistas hispanicas. A recherche du temps perdu, portanto. (este computador apitou-me agora you have 3 minutes left...)
Todas as pessoas que eu poderia encontrar em Paris, nao o vou fazer, por motivos diversos. Assim, restame beber heineken no bar e ler. Mas estou bem disposto - vale a pena cruzar as fronteiras e olhar pela janela. MR

Alice não sonharia um país melhor. 

Não compreendo o desagrado dos portugueses com o seu país. Os resultados das sondagens, as críticas, dos colunistas à vox populi, tudo cheira a desconfiança, desânimo, descrédito. Porquê? Afinal, vivemos ou não num território em que as manchetes dos jornais nos atormentam, docemente, com a saga de um cão desaparecido e encontrado e a nova cor de cabelo de Catarina Furtado? Não damos valor àquilo que temos, é o que é! Se pensássemos um pouco naqueles países que são devastados pelas chamas, onde caem pontes, onde se morre às dezenas, dia após dia, nas estradas, onde meio mundo está metido na prisão, o desemprego dispara, é tão difícil ser-se julgado como submetido a um exame ou a uma cirurgia e onde, enfim, a recessão económica nos arrasta pelos pés, estrada fora, sem escapatória visível? Pobre do povo que, com o café da manhã, tem de levar com este tipo de notícia. Que ingratidão a nossa, a viver no país das maravilhas e nem um obrigado à Providência...
Amanhã, com que primeiras páginas nos brindará a imprensa? Será que Pedro Miguel Ramos fez uma entorse? Terá Artur Albarran gostado da sua sopa? Será, meu Deus!, que Catarina Fortunato de Almeida comprou um novo verniz para as unhas? E se o canário de Judite de Sousa está com prisão de ventre? Isso merecerá mais ou menos destaque que os novos estofos do veículo de Diogo Morgado? Nem queria estar no papel dos directores! Em todo o caso, mal posso esperar... Para sexta-feira prometiam-se novidades acerca da ida aos saldos de Rita Mendes e vai ser desvendado, por fim, que marca de azeite compra a sobrinha de um amigo de Manuel Maria Carrilho. AB

Much ado about nothing 

O ilusionista David Blaine vai passar 44 dias pendurado de um guindaste sobre o rio Tamisa, metido numa caixa de vidro e sem comida. Ou seja, basicamente o homem vai estar por um fio, num sítio claustrofóbico, a viver "à rasquinha"… Então era preciso sacar um mágico?! É impressão minha ou já há uma data de anos que os portugueses vivem assim? LFB

Olha o Arnaut / é pró menino e prá menina / olhó 

José Luís Arnaut fez uma espécie de ultimato à selecção nacional dizendo que esta tem de estar à altura do investimento feito no Euro. Ou seja, gastámos milhões… vocês têm de ganhar! É mais ou menos como se a mulher desse dinheiro ao marido para comprar a lotaria e, como as moedas são dela, o obrigasse a ganhar o jackpot…LFB

Um Vício Ibérico - ou um país metido no porta-bagagens de um carro espanhol 

Foi notícia ontem. Durão Barroso diz que, para "ganhar a batalha global", Portugal "tem de ser mais competitivo" do que a Espanha. Ok, vamos isso. E, afinal de contas, não está assim tão difícil. Já não estamos tão diferentes dos espanhóis. Ao fim de tantos anos, descobriu-se a existência de um verdadeiro Vício Ibérico - somos iguais, iguaizinhos no frenesim das compras. É verdade: portugueses e espanhóis têm a mania de atravessar a fronteira para desembolsar uns trocos. Nós vamos a Espanha, ao fim-de-semana, para comprar umas cadeirinhas e uma mesinhas baratuchas nos armazéns Ikea. Os espanhóis enfiam-se num carro, em qualquer dia da semana, para virem cá comprar o país. NCS

Crónicas do exílio II 

Apesar dos anos aqui passados, da família que me convence do contrário, precisei de fazer uma longa viagem para saber que (ainda) não estou inteiramente assimilado. Porque existe algo, simples dirão, que continua a arrepiar os óculos das senhoras do arquivo de identificação. Esse algo acompanha cada habitante deste país a par e passo e estabelece as diferenças entre as várias classes de cidadãos. Porque existem aqueles que calçam sandálias, e aqueles que ainda não as merecem. E ainda existe uma minoria de resistentes que, com o passar da idade e o crescer da barriga, vão cedendo às tentações de uma vida cómoda no seio da comunidade. Mas não são umas sandálias quaisquer, pois estas são luxuosamente ortopédicas e têm um nome que se derrete obscenamente na boca - chamam-se Birckenstock. Infelizmente, não são parecidas com a Jane Birkin quando cantava músicas desavergonhadas. São extremamente “pouco agradáveis na presença”, para repetir uma expressão aqui introduzida pelo AB, e desterram imagens de um doce conservadorismo que invadiu a Alemanha nos anos 80, num tempo em que o chanceler se chamava couve, era obrigatório forrar as paredes com madeira e quem não tinha um relógio de cuco na sala era considerado anarquista. No entanto, deve ser escrito que, em termos de moda, permitem uma grande variedade de combinações, destacando-se na Primavera/Verão o tridente calção-meia branca com raquetes de ténis cruzadas-...e as tais.

Os anos foram passando e a sociedade foi evoluindo, mas os pés, esses mantiveram-se firmes. Mesmo as elites culturais têm vindo a sucumbir e quando numa visita não anunciada se descobre os objectos infames sob teses de doutoramento inchadas de orgulho, coram e balbuciam algo sobre a educação a que estiveram sujeitos.

É por estas e não apenas por estas, mas também por outras, que sou constantemente lembrado que os meros laços familiares não bastam para atingir a condição de verdadeiro alemão. Quando há pouco tempo quis entrar no país, o senhor polícia não se dignou a olhar para o passaporte orgulhoso. Apenas observou com ar carrancudo os meus sapatos subversivos. O que me safou foi o relógio de cuco, que trago sempre comigo por causa das coisas. Confesso que há dias em que, sentado no banco triste do jardim a ser observado pelos passarinhos, anseio por um amigo mais chegado que me indique com trejeitos clandestinos onde poderei adquirir este mito falangista.

Mas prometo continuar a indagar, de mãos nos bolsos, aqui pelas ruas do meu bairro. E se quiserem saber, acredito que o dono do quiosque me irá ajudar, ele que nos idos anos 70 conseguiu ser durante uma época inteira o terceiro guarda-redes do plantel do Colónia e por vezes deixa que a amargura transpareça por detrás da caixa registadora. REC

quarta-feira, setembro 17, 2003

Cinema Paraíso. 

No tempo em que sempre esperava ter companhia para ver o filme X ou Y, estranhava aqueles que via abandonar sós a sala de cinema. Não se ressentiriam da sua solidão, no meio dos grupos e casais, comentando e rindo os destinos dos personagens? Não teriam amigos? Seriam o único elemento da família apreciador da sétima arte? Mais tarde, percebi uma série de coisas importantes: que, esperando pela companhia, deixaria sair de cartaz muitos filmes; que há lugares muito mais práticos para namorar; que se aprecia melhor uma película na mudez da individualidade, sem ter de comentar ou sussurrar a cada momento-chave; e que, por fim, o verdadeiro espectador nem de si se lembra durante um filme, quanto mais pensará se está ou não um rosto conhecido na cadeira ao lado.
Hoje, sou um convicto militante desses que peregrinam, isolados, para o interior das salas. Quando saio, digiro, tranquilamente, a narrativa das imagens, nos melhores casos, até ao adormecer.
No entanto, o atractivo fundamental do cinema solitário continuava a escapar-me. Até ontem. Na mesma linha do post que deixei e nesse feliz título de Pedro Paixão, Viver Todos Os Dias Cansa, desvenda-se o segredo: as pessoas que gostam de ir sozinhas ao cinema fazem-no porque durante duas horas não precisam de existir. O telemóvel está desligado; no escuro, somos invisíveis; sem ninguém a acompanhar, não é necessário fazer uma piada ou um comentário inteligente. Não é preciso nada. Se o filme for mesmo bom, nem nos lembramos, repito, de nós próprios. Duas horas de suspensão de vida, de intervalo, de exílio.
De “O Ninja das Caldas” a “Citizen Kane”, escolham as vossas armas. O cinema pode fazer mais pela nossa paz interior que um mês inteiro de reclusão no Tibete. AB

Tomai uma gargalhada à Malucos do Riso e vede! 

Os suecos votaram esmagadoramente contra o euro - o que irritou a União Europeia. Mas assim se vê a diferença entre um país sofisticado e o nosso. É que, para rejeitar o euro, os suecos têm de votar; enquanto que nós, portugueses, basta abrirmos a carteira para perceber que é o euro que nos rejeita a nós.LFB

Ma'quê? Madonna? 

Madonna acaba de lançar um livro infantil. Bem, quem melhor que uma cantora polémica, sex-symbol, que já posou nua e queimou crucifixos para
editar uma obra para crianças?
Ficamos naturalmente à espera do Manual de Boa Conduta da autoria de Diego Maradona ou do Elogio do Capitalismo Norte-Americano escrito, sei lá, por Álvaro Cunhal ou o best-seller Ensaio sobre a Modéstia, de José Pacheco Pereira.LFB

terça-feira, setembro 16, 2003

Novíssimos Clássicos dos Cebola Mol 

Na semana passada, o Phil Stardust, dos Cebola Mol, antes da série de entrevistas que ele e o Eddie iam dar ao Canal História, ao Canal Saúde e à BBC-World, passou aqui pelo escritório da Travessa Fábrica dos Pentes com uma mochila grávida às costas. No seu jeito de pop star complexa, distante e generosa, distribuiu por todos os cantos da casa o novo CD da banda, editado pela “Independent Records” e que já está aí nas lojas. Ainda procurei dentro da caixa um cartão do Phil que dissesse qualquer coisa como “Toma lá que já almoçaste!”; mas nada. Humilde fã, agradeci a oferta. Finalmente estava cá fora o disco que conhecíamos (pelo menos, em parte) através de gravações provisórias. Confesso que tenho ouvido várias vezes "Android Polaroid", entre o Monteverdi que o Zé Mário legou a esta casa e o genérico do “Preço Certo” (edição alemã). Para não utilizar um cliché-utilizado-em-todos-os-programas-das-rádios-de-província, direi que o álbum está recheado de grande temas. Direi até mais: está cheio de clássicos. Alguns exemplos: “Não se Goza com os Gagos Porque Podes Vir a Ter um Filho Assim e Depois Também Não Gostas” (um “faducho”, onde não faltam instrutivos comentários da audiência como “Garganta de Oiro!” e “Não te esqueças que tens quinze putos”), “Libertem o Pacote Laboral” (uma canção de intervenção nonsense contra os Gordos do Capitalismo), “Maradonna, El Rey Del Rock” (a homenagem que Manu Chao faria ao génio decadente num “Natal dos Hospitais”) e “Alface Negra do Sol” (revisitação lusa das viagens de ácido e – logo a seguir - de aspirina dos Pink Floyd). Mas o meu tema preferido de “Android Polaroid” é mesmo “Queixadas de Sintra”, uma cantoria capaz de animar qualquer final de festa de casamento, depois de todos os “Apita o Comboio” e quando os noivos já foram para o quarto. NCS

Desejo incompatível com o título. 

Há dias em que acordo a dar razão a Sartre: “o inferno são os outros.” E devo confessar que, ultimamente, não são dias, mas semanas. Chateiam-me as pessoas nas ruas, nas carruagens, no atendimento dos restaurantes, nas secretárias ao lado, no andar de baixo e no prédio em frente. Chateia-me quem me telefona e, sobretudo, quem me manda mensagens escritas; quem grita e quem sussurra; quem me faz sinais e quem me dá um toque no ombro.
Sei que isto vai passar. Vai passar, como sempre, de modo a que regresse a Hegel: “o inferno é o eu enclausurado em si próprio”.
Mas, entretanto, deixem-me sentir imensamente feliz apenas em momentos como este: ler O Caderno Vermelho, de Auster, enquanto oiço “Kind Of Blue”, de Miles. Pena que seja um episódio breve, dada a extensão do livro; mas pode-se sempre continuar com Timbuktu, por exemplo. Sem mais nada. Sem necessidade de falar ou compreender ou problematizar. Fruição pura. AB, pedindo desculpa pelos acessos de misantropia

Sim, reservem o Estádio da Luz para os nossos jantares (sempre hão-de ser mais apelativos que as exibições do Benfica, ó catano!) 

Foi no fim de Agosto que anunciámos surpresas para Setembro. O que, vistas bem as coisas, faz sentido. Não que anunciar em Setembro novidades para Agosto não pudesse ser um exercício interessante (ver "Memento") - mas ainda não há tecnologia bloguística para isso. Piadas-parvas-e-pouco-inspiradas-sobretudo-inconsequentes à parte, eis o tradicional post de boas-vindas. Sim, a época ainda não fechou para o DC. Estamos felizes por juntar o Ricardo Esteves Correia, residente na Alemanha, ao nosso mapa Lisboa-Açores-Porto. Não o apresento uma vez que acabou de editar o melhor post inaugural dos casadoiros. No fundo, é mais um na roda de amigos. Sim, vamos ter de levar com piadas sobre a dificuldade em encontrar um restaurante onde caiba a equipa toda mas, paciência, ossos do ofício. Como dizem os donos da bola, "um grande jogador nunca é demais".

Entretanto, nova aquisição está para ser confirmada em breve e, tudo indica, a 2 de Outubro será, finalmente, a festa DC. Aliás, esta noite decorre um encontro top-secret para discutir as minudências da dita cuja. E a surpresa final chegará nesse dia. Desminto, todavia, os rumores que apontam Pedro Rolo Duarte como futuro casadoiro. Quem precisa de um blog quando tem as Impressões Digitais? LFB

Crónicas do exílio 

Sussuro assim as minhas crónicas do exílio, daqui de longe, noutro
mundo, habitado por filósofos e salsichas, numa terra chamada Colónia.
Espero, com estes escritos inconsequentes, contribuir leve, levemente,
para que todos desejemos casar, e apenas isto tenho para oferecer. Tentarei
puxar pela cabeça à procura da memória porque acho que vivo num país
surrealista, coçarei ao de leve a nuca ao tentar explicar porque me
sinto bem aqui e haverá momentos em que deixarei cair uma lágrima ao
recordar-me que um bom português não vive sem a saudade.

Sou o Ricardo Esteves Correia, metade de mim (a esquerda) é alemã, a
outra não, e também sofro de melancolia pós-jurídica. Nas horas livres
traduzo e tento dizer algo na rádio. Aproveito para agradecer ao Nuno
Costa Santos o convite para integrar este mundo bloguiano. Tentarei
assim voltar a dedicar-me a actividades descritivas, as mesmas que
perdi, num quarto de estudante qualquer, algures entre as cópias
moralistas de aulas teóricas e os manuais sisudos e inquisitivos. Um
abraço para todos os outros camaradas, solteiros, casados ou
namoradeiros, que espero conhecer melhor num dos meus regressos a um
passado lisboeta.

Ricardo Esteves Correia

sem título 

É melhor olhar pela janela do que ver televisão.
Evitar adormecer, tentar não recordar: dois requisitos prévios para poder sorrir. Assim se consagram os medos, se assentam as palavras. Mesmo que não haja muitas a dizer, mesmo que já tenha passado o momento certo.
Reduzir a escrito. A redução mais óbvia para quem apanha comboios e adormece embalado, só ouve sussuros e respira o frio dos apeadeiros. MR

Desejo divorciar-me 

Sábado passado. Jantar em casa de um grande amigo que vive no Porto. Está de passagem por Lisboa uma vez que a mulher - com quem celebrou o primeiro ano de casamento há 15 dias - recebeu proposta de trabalho na capital depois de quase um ano sem emprego. Banquete, garrafas de vinho vazias, nódoas na mesa e gargalhadas. Despedimo-nos como chegámos, alegres e embriagados, com abraços e aquelas piadas de quem não se aguenta mais em pé mas bem queria.
No Domingo ela vai trabalhar e ele dedica-se à sua tradução de Joe Penhall. Poucas horas depois liga-me do Porto, onde acabara de chegar com uma mochila e o gato. Porque, ao chegar a casa e em poucas frases, ela pediu-lhe o divórcio. LFB

segunda-feira, setembro 15, 2003

Everyone else is doing it so why can’t we? 

Há em Portugal uma casa onde vive uma dúzia de jovens. Querem subir na vida; gritam frases de ordem como “Com o meu namorado sou uma coelha, adoro fornicar.”; há quem seja filho de donos de sex shops e lá trabalhe e, cereja no topo do bolo, uma produção responsável pela casa que, diz-se, paga aos primeiros que forem para a cama. Não têm vergonha, assumem tudo, até permitem que uma equipa de câmaras filme tudo.
Ó alegria! Ó júbilo! Já era tempo de a prostituição ser reconhecida neste país tão dado a hipocrisias e falsas consciências morais. É assim mesmo! Segue-se a legalização das restantes casas de passe. A “D. Marisa”, em Paranhos, já está na calha. AB

post diário 

acabei de entregar a tese na faculdade, agora já não há nada a fazer. encontro os colegas e recebo telefonemas amigos, de quem já passou por estas coisas, a felicitar e a dizer "então, agora é que vai ser, agora não mais ditadura da biblioteca e do papel". mas a única sensação que tenho é só esta: mas então o que é que vou fazer amanhã? Estava tudo tão organizadinho, com calendários feitos e refeitos mil vezes, com capítulos repartidos nas agendas, com a pilha dos livros na mesa da sala, na mesa do escritório, no chão, na faculdade... Agora fiquei sem vida. Tenho de beber umas caipiroskas e, à boa maneira americana, olhar displicentemente para trás e dizer I'll get a life... Starting tomorrow. MR

Avª de Roma (2) 

Há um homem, aqui, na Avª de Roma, que vende Kleenex todo o ano, com ar limpo, roupa decente, sotaque estrangeiro. Não vale a pena tentar dar-lhe um troco a mais, uma roupa usada, pagar-lhe um pequeno-almoço. Corre atrás de nós com o troco ou a roupa, consegue ser ele a pagar-nos o bolo e, como bónus, para os lenços que lhe compramos, no Inverno, engraxa-nos os sapatos.
Este homem é um sem-abrigo, às vezes tem as suas coisas, a monte, do lado de lá da rua, mas não é um pedinte. O que ele sabe que tem de manter, custe o que custar, é a ideia que tem de si mesmo ou uma certa ideia que ele tem do que é a dignidade, o respeito. Acima do instinto de sobrevivência está uma ideia. É, apenas, isto e não uns trocos o que lhe permite continuar a lutar, limpo e decente.CMC

Abaixo-assinado "Portugal, com raiva" 

Soube-o através de um questionário recente do Diário de Notícias. O país em que Mário de Carvalho gostaria de viver chama-se Portugal. Mas não apenas Portugal. "Portugal, com raiva". Assim é que está completo o nome. Não Portugal com medo. Não Portugal com complexo de inferioridade. Não Portugal novo-rico, com vontade de se endividar ainda mais. Não Portugal exibicionista, aproveitando, cada instante, para mostrar o último modelo de telemóvel ao vizinho. Não Portugal querendo, a todo o custo, aparecer na televisão. Não Portugal com gente acomodada e mesquinha que tenta derrubar quem, com mérito, se destaca. Não Portugal daquelas elites - de que falava há tempos o BR - que se limitam, com a imprensa estrangeira debaixo do braço, a arrasar o povo que temos. Não Portugal do Ensino degradado e dos hospitais com gente a dormir nos corredores. Não Portugal dos nomes enlameados todos os dias nos jornais. Não Portugal das desgraças que se medem por audiências. "Portugal, com raiva". Serei dos primeiros a assinar. Ponha-se já um abaixo-assinado em circulação. NCS

domingo, setembro 14, 2003

Praias não as há 

Tenho ouvido ao longo dos anos estranhos e arrepiantes comentários, quase sempre contraditórios, por parte de alguns continentais (oriundos de Portugal continental, entenda-se), conhecidos e desconhecidos, a propósito daquilo a que se chama "as ilhas", ou arquipélagos - em particular, para o que agora interessa, os Açores. Penso que estou à vontade para escrever sobre o assunto, já que não me considero ferrenho "ilhéu" (habitante das "ilhas", entenda-se) ou afincado defensor do arquipélago, apontando erros e virtudes quando vislumbro uns e outros. Ora, os Açores ou são desconsiderados e remetidos a terrinha onde predominam as pastagens verdes e as consequentes vacas malhadas, ou pura e simplesmente são ignorados, e vão desde "algumas ilhas" a uma só. Ao menos consultem o significado da palavra "arquipélago" no dicionário. Frequentemente, confundem isto tudo. Entre aqueles que desconsideram o arquipélago é possível encontrar os que elogiam o povo acolhedor, coitadinho, numa espécie de fase pós-indígena, e os que não entendem que por estes lados há mais qualquer coisa do que o sector primário, isto é, agricultura e pescas. Há coisas a que se chama hospitais, escolas, tribunais, centros de saúde, comércio, indústria, enfim, coisas bonitas que são contabilizadas no apuramento do atraso ou desenvolvimento dos povos. Há ainda aqueles que assim que chegam ao arquipélago, julgam-se verdadeiros entendedores do modus vivendi açoreano, como se fosse algo de completamente diferente do resto do país.
Vem tudo isto a propósito da última crónica de Ana Sá Lopes no Público. Diz esta viajante: «A Graciosa é uma ilha-satélite da Terceira e, no Verão, famílias terceirenses transferem-se para lá (a ilha Terceira não tem praias, não tem areia, embora tenha óptimos sítios para "ir a banhos")». Terceirense como sou, afastado da ilha actualmente por razões profissionais, fico arrepiado. Não é que passei as férias do verão na Terceira, a banhos nas praias (sim, essas praias de areia) da cidade da Praia da Vitória? É verdade. A cidade da Praia da Vitória (uma das duas cidades da ilha Terceira, a outra é Angra do Heroísmo) possui praias de areia, com uma extensão e areais consideráveis. Também Angra do Heroísmo passou a ter agora uma pequena praia de areia, melhor, finalmente apta a proporcionar uma "ida a banhos", junto à recente marina e ao clube náutico.
Por favor, não falem sem conhecimento de causa.
Hugo Rosa

Crise da justiça 

"«Criada gatuna.» Levantei-me. Que dia! Que céu azul. Que sol. Com um dia destes, ainda há quem tenha coragem de fechar criaturas humanas em calabouços? Senhores da polícia: soltem-na. (Está um dia tão bonito!) Soltem-na! Ponham-na na rua, depois de lhe darem um bom raspanete. Mas soltem-na! Ou então, se não podem suster essa máquina infernal de papel selado, livros, carimbos, interrogatórios, ofícios, advogados, continências, selos e mais selos, e mais selos - metam-lhe uma lima dentro de um pão de quilo, para ela cortar as grades e evadir-se por uma corda feita com os lençóis do catre...
Mas soltem-na.
Ouviram, Srs. Polícias, Sr. Carcereiro, Sr. Juiz, Sr. Conselheiro do Supremo Tribunal, Srs. Homens Todos?
Soltem-na!
E se precisarem de alguém para a substituir na enxovia, prendam-me a mim, prendam este, aquele, tu, o outro, ele, nós, vós, todos... porque todos lhe roubámos qualquer coisa muito antes de ela roubar não sei quê a não sei quem...
(...) Soltem-na! (Se acham que estou a ser excessivamente único, escrevam-me cartas de protesto.) Mas soltem-na. (Está um dia tão bonito!) Soltem-na!"
José Gomes Ferreira, " A «Boca Enorme»", in "O Mundo dos Outros"

HR

O guarda redes de Deus 

Todas as previsões científicas indicam que o plantea Terra será destruído daqui a uns milhões de anos devido à colisão com um meteorito gigantesco.
Deus (ou com LFB gosta de lhe chamar: "o tal gajo da maiúscula"), decidiu precaver-se e começar desde já os preparativos para a Salvação do Planeta. Para isso, Ele recrutou para as Suas fileiras o único homem capaz de desviar a trajectória do meteorito fatal.

Vítor Damas, o eterno número um do Sporting, deixou-nos esta madrugada, aos 55 anos de idade.

Bom jogo, Vítor. Contamos contigo na última linha da defesa. Como sempre. TR

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